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domingo, 30 de maio de 2010

Invólucro

-A senhorita pode repetir seu nome, por favor?
Era a oitava vez que eu dizia.
-Kayla Zyiad Tharän. Querida, você quer que eu escreva? Eu sei que é um nome bem peculiar, se é que você me entende.
Eu já estava no Banco há mais de três horas. Aquela burocracia me enauseava. Porque não existe nada pior do que uma tarde inteira perdida dentro desse tipo de lugar. Tumulto, pessoas suadas (desligaram o ar-condicionado para evitar gastos), mal-estar generalizado.
Um atendente veio falar comigo. Disse algumas palavras indecifráveis. Eu o observei por alguns segundos antes de rir. Ele não entendeu o motivo da minha risada e perguntou se eu estava com algum problema.
-Querido, meu problema é estar aqui. Odeio Bancos.
-E a senhorita está rindo?
-Evidente que sim. Você quer que eu chore?
-Não, não mesmo.
Ele me levou até o andar superior para falar com o gerente. Eu quase tive um ataque de riso quando o vi, mas consegui me conter; ele sequer percebeu. O gerente era um homem pequeno, franzino, de óculos. Deve ter sido um desses "nerds" que se matam de estudar, e que todos ignoram. Mas lá estava ele, ocupando um cargo importante, provavelmente se vangloriando por esse feito. Ele me olhou de cima à baixo, depois sorriu. Se levantou e estendeu a mão para me cumprimentar. Eu hesitei por um momento, mas a minha educação me obrigou a cumprimentá-lo também.
-Olá, meu nome é Kayla Tharän. Eu quero abrir uma conta.
-Sente-se, senhorita Tharän...Nome diferente, não? É indiano?
-Não, é de origem árabe. Eu sou árabe.
Percebi que ele se assustou um pouco. Depois da onda de terrorismo, as pessoas criaram certo estereótipo para árabes, como se todos fossem terroristas. E, definitivamente, não era o meu caso.
-Você é muçulmana?
Na verdade, ele quis dizer: "Você é xiita?" ou "Você faz parte de algum grupo muçulmano radical?". Tão óbvio...
-Não...Eu sou filha de muçulmanos, mas não sigo a tradição. Sem véus, sem dogmas.
Ele relaxou e começou a fazer perguntas sobre a minha condição financeira. Depois de uma hora e meia, ele disse:
-Eu sinto muito, mas nós não podemos abrir uma conta para você.
Não entendi absolutamente nada. Fiquei em choque por algun segundos, pensando no tempo que eu havia perdido ali.
-Por quê?!
-Bom, você sabe...
-Não, eu não sei.
-Você não compreende...O fato é: você é árabe e isso pode ser "perigoso" para o Banco.
Era só o que faltava! Quatro horas e meia num Banco estúpido para ouvir um discurso xenófobo do gerente.
-Você está louco? Como tem coragem de dizer isso? Eu posso processar você e o Banco, sabia? Xenofobia é crime.
Ele se levantou, ajeitou o paletó e a gravata, e sentou novamente. Tentou argumentar, mas não sabia como.
-Perdoe-me, senhorita Tharän. Eu não queria...Não foi o que eu quis dizer...
-Mas disse.
Ele parecia estar nervoso. Gaguejava até não mais poder. Hilário.
-Eu sinto muitíssimo...Ahn...Talvez nós possamos abrir uma conta para você....
Me pus de pé rapidamente, fingindo estar ofendida. Peguei minha bolsa e disse:
--Agora, quem não quer abrir a maldita conta sou eu. Que absurdo..! Eu não vou dar liçãozinha de moral; não faz o meu tipo. Tampouco vou processar quem quer que seja. Meu tempo é precioso demais para gastar com pessoas como você. Adeus.
Saí da sala, irritada. Não sabia o que fazer. Optei pelo óbvio: ir para casa. Ao chegar, corri para o meu quarto. Procurei um presente que o meu avô havia me dado quando eu fiz dezoito anos. Um porquinho de barro. Era enorme, cabia bastante dinheiro. Respirei, aliviada.
Sem tumulto. Sem pessoas suadas. E o principal: sem gerentes xenófobos para me irritar. Apenas o porquinho, por sinal muito carismático. Livre de preconceitos. Livre de filas. Simplesmente porquinho.

Kayla Z. Tharän

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