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domingo, 30 de maio de 2010

Apresentações.

-Você é extremamente desagradável, mocinha.
-Aprendi com o melhor, pai.
Ele me olhou com aquele olhar de reprovação com o qual eu já estava acostumada. Odiava minhas ironias, minha forma de ver o mundo, de pensar o mundo. Mas a culpa não era minha. Ele quis vir para o Brasil, ele quis que eu estudasse numa escola normal, com gente normal. Ele. A pessoa que sempre decidiu por todos da família. Mas eu não sou ingrata. Muito pelo contrário. Se nós não tivéssemos nos mudado provavelmente eu teria que seguir os dogmas da religião dele. E eu não sigo nada.
Depois que nós viemos para o Brasil, eu comecei a ler coisas que eu não lia antes (nem podia ler, na verdade), ver coisas que não podia, porque tudo era proibido, na visão do meu pai. Eu sempre respeitei a tradição, fazia de tudo para não perder a essência mulçumana, mas era difícil. Nunca consegui levar muito a sério a doutrina, sempre fui meio... Cética.
-Kayla, não gosto da forma como você vem se comportando.
-Pai, eu sou adulta. Eu moro sozinha, trabalho... Não faz sentido me tratar mal por uma coisa à toa.
-Coisa à toa? Você quer deixar de ser você, quer deixar de ser uma de nós, quer deixar de ser família, quer deixar de ser tradição.
-Isso é loucura. Eu só estou te dizendo que não vou mais às mesquitas, nem usarei véu. Continuaremos sendo família. E o mais importante: eu vou continuar sendo eu.
-Você é muito insolente.
-Pai...
-Não me dirija à palavra. Entendeu?
Olhei em seus olhos. Senti uma lágrima descer pelo meu rosto e parar na minha blusa. Tentei parecer inabalável, mas estava triste demais para parecer qualquer coisa.
-Entendi. Se você quer assim... Eu vou indo. Não tenho mais argumentos, pai. Eu sinto muito. Muito mesmo. Adeus.
Me virei e andei até a saída. Peguei as chaves da casa e um cigarro. Dei um trago e respirei fundo a fumaça. Entrei no carro, joguei a guimba fora e dirigi até em casa.
O celular tocou. Era ele. Pensei em desligar. Atendi.
-Pode falar, pai.
-Desde quando você fuma?
-Você quer realmente saber?
Silêncio.
-Quero.
-Desde os dezoito. Por quê?
-Não tem medo de morrer? Alá pode guiar seus passos, meu bem.
-Não tenho medo da morte, pai. Não quero ajuda de Alá, nem de Krishna, nem de Buda. Era só isso?
-Eu só queria dizer que te amo.
Engoli a lágrima que tentou se instalar em meus olhos. Respirei fundo.
-Mais tarde conversamos.
-Acha que é possível viver sem ter fé em algo?
Pensei por alguns segundos antes de responder. Não estava acostumada a dialogar com ele. Principalmente sobre assuntos tão delicados.
-Acho que é possível crer em si mesmo antes de tentar crer em algo externo, pai. Ter fé em si e nos outros vai muito além de qualquer assunto religioso.
-Você não era assim.
-Eu cresci. Aprenda a conviver com isso.
-É você cresceu.
Ele desligou o telefone. Eu respirei fundo e continuei dirigindo. Um minuto depois o telefone tocou. Era ele, de novo. Dessa vez preferi continuar dirigindo.

Kayla Z. Tharän

O impossível

Eu me vejo num realismo paralelo
Quando o nada reverte-se em poesia
Inspirada pelo teu andar tão belo
Do qual quero ser companhia

E ver que o sonhar não me enlouqueceu
Podendo sentir tua paixão e essência
E até teu coração pulsando junto ao meu
Contigo co-habitando minha existência

Os ideais que eu não alcançava
Teus beijos os fizeram reais
O impossível tornou-se só um palavra
Que meus lábios já não dizem mais

Agora o impossível é um termo frio
Inibido por tua sensibilidade
Eu buscava por um sentimento não obvio
E em você, encontrei felicidade

Por Daniel Scarmont, amigo, filósofo e poeta. Gostaria de escrever como você. =)

Términos e outras ironias

A chuva caia torrencialmente, naquela noite. Sofia pressentia que o fim estava próximo. O fim do seu namoro com Tiago. Ela acordara com aquela sensação ruim e permanecera com ela durante todo o dia.E agora, lá estavam eles, com aquele olhar temeroso.
Tiago a observou por alguns segundos. Ele a amava, mas a relação dos dois era insustentável. Por mais que se amassem, por mais que quisessem estar perto um do outro, ele sabia que o melhor era estarem afastados.
-Sofia, eu...Eu te amo.
Ela estava aflita. Nunca imaginou que fossem terminar. Ou nunca quis imaginar. Tiago sempre dizia a ela que enquanto estivessem juntos, seriam fortes. E naquele instante, ela se sentia fraca, vulnerável. E o pior: sozinha.
-Tiago...
Ele a interrompeu. Estava sofrendo, mas não demonstrava.
-Você acha que o nosso namoro está como antes?
Ela o olhou nos olhos.
-Acho. (pausa) Não...
Ele tentou resumir o que sentia, mas não deu certo.
-Amor, nós não podemos nos ver, nem nos falar. Eu me sinto mal por isso. Então o que nós faremos?
Sofia não estava conseguindo acreditar. Se sentia mais leve, mesmo tendo que tomar uma decisão difícil. Aliás, uma decisão que já fora escolhida.
-Tiago, é assim que se termina?
Dolorosamente, ele disse:
-Não sei, acho que é.
Sofia assentiu com a cabeça. Sorriu para ele.
-Está tudo bem, nós somos amigos.
Ela o amava demais para ficar chateada com ele. Simplesmente não conseguia odiá-lo. Mas ainda o considerava um fraco. Completamente paradoxal.
Ele olhou em seus olhos, desconfiado.
-Está tudo bem mesmo ou você está se fazendo de forte?
-Eu sou forte. Não vou chorar mais. Estou cansada.
Sofia se despediu dele. Quando já estava perto da porta, ele disse:
-Eu te amo, tá?
Ela preferiria que ele tivesse dito: "eu te odeio; nunca mais quero te ver!". Seria mais fácil esquecê-lo, por mais que fosse mentira Mas isso já não importava. Nada mais importava.
Saiu da casa dele correndo, deixando que a chuva a consolasse. Infeliz decisão. O máximo que conseguiu foi um resfriado. Mal curado, por sinal.
O amor tem dessas coisas. Não escolhe as "vítimas", apenas surge ao acaso. Cresce dentro do coração e, quando vai ver, já está como erva daninha, dominando os sentimentos. Quando acaba, deixa marcas. Ou somente um resfrado mal curado. Tanto faz.

Kayla Z. Tharän

Invólucro

-A senhorita pode repetir seu nome, por favor?
Era a oitava vez que eu dizia.
-Kayla Zyiad Tharän. Querida, você quer que eu escreva? Eu sei que é um nome bem peculiar, se é que você me entende.
Eu já estava no Banco há mais de três horas. Aquela burocracia me enauseava. Porque não existe nada pior do que uma tarde inteira perdida dentro desse tipo de lugar. Tumulto, pessoas suadas (desligaram o ar-condicionado para evitar gastos), mal-estar generalizado.
Um atendente veio falar comigo. Disse algumas palavras indecifráveis. Eu o observei por alguns segundos antes de rir. Ele não entendeu o motivo da minha risada e perguntou se eu estava com algum problema.
-Querido, meu problema é estar aqui. Odeio Bancos.
-E a senhorita está rindo?
-Evidente que sim. Você quer que eu chore?
-Não, não mesmo.
Ele me levou até o andar superior para falar com o gerente. Eu quase tive um ataque de riso quando o vi, mas consegui me conter; ele sequer percebeu. O gerente era um homem pequeno, franzino, de óculos. Deve ter sido um desses "nerds" que se matam de estudar, e que todos ignoram. Mas lá estava ele, ocupando um cargo importante, provavelmente se vangloriando por esse feito. Ele me olhou de cima à baixo, depois sorriu. Se levantou e estendeu a mão para me cumprimentar. Eu hesitei por um momento, mas a minha educação me obrigou a cumprimentá-lo também.
-Olá, meu nome é Kayla Tharän. Eu quero abrir uma conta.
-Sente-se, senhorita Tharän...Nome diferente, não? É indiano?
-Não, é de origem árabe. Eu sou árabe.
Percebi que ele se assustou um pouco. Depois da onda de terrorismo, as pessoas criaram certo estereótipo para árabes, como se todos fossem terroristas. E, definitivamente, não era o meu caso.
-Você é muçulmana?
Na verdade, ele quis dizer: "Você é xiita?" ou "Você faz parte de algum grupo muçulmano radical?". Tão óbvio...
-Não...Eu sou filha de muçulmanos, mas não sigo a tradição. Sem véus, sem dogmas.
Ele relaxou e começou a fazer perguntas sobre a minha condição financeira. Depois de uma hora e meia, ele disse:
-Eu sinto muito, mas nós não podemos abrir uma conta para você.
Não entendi absolutamente nada. Fiquei em choque por algun segundos, pensando no tempo que eu havia perdido ali.
-Por quê?!
-Bom, você sabe...
-Não, eu não sei.
-Você não compreende...O fato é: você é árabe e isso pode ser "perigoso" para o Banco.
Era só o que faltava! Quatro horas e meia num Banco estúpido para ouvir um discurso xenófobo do gerente.
-Você está louco? Como tem coragem de dizer isso? Eu posso processar você e o Banco, sabia? Xenofobia é crime.
Ele se levantou, ajeitou o paletó e a gravata, e sentou novamente. Tentou argumentar, mas não sabia como.
-Perdoe-me, senhorita Tharän. Eu não queria...Não foi o que eu quis dizer...
-Mas disse.
Ele parecia estar nervoso. Gaguejava até não mais poder. Hilário.
-Eu sinto muitíssimo...Ahn...Talvez nós possamos abrir uma conta para você....
Me pus de pé rapidamente, fingindo estar ofendida. Peguei minha bolsa e disse:
--Agora, quem não quer abrir a maldita conta sou eu. Que absurdo..! Eu não vou dar liçãozinha de moral; não faz o meu tipo. Tampouco vou processar quem quer que seja. Meu tempo é precioso demais para gastar com pessoas como você. Adeus.
Saí da sala, irritada. Não sabia o que fazer. Optei pelo óbvio: ir para casa. Ao chegar, corri para o meu quarto. Procurei um presente que o meu avô havia me dado quando eu fiz dezoito anos. Um porquinho de barro. Era enorme, cabia bastante dinheiro. Respirei, aliviada.
Sem tumulto. Sem pessoas suadas. E o principal: sem gerentes xenófobos para me irritar. Apenas o porquinho, por sinal muito carismático. Livre de preconceitos. Livre de filas. Simplesmente porquinho.

Kayla Z. Tharän

Noite Quase Perfeita

Engraçado como as coisas acontecem. Eu, ele e uma infinidade de pessoas pulando, bebendo e dançando ao som de uma musica ensurdecedora. Eu só percebi que aquela festa não era o meu lugar quando cheguei lá. Pelo menos eu percebi sóbria. Talvez essa fosse a razão de eu não gostar de tumultos e suor e gente bêbada. Sim, adoro bêbados, mas não em grandes quantidades. É insuportável. E principalmente, eu o queria só, sem gente empurrando você para os cantos, achando que vão se lembrar no dia seguinte. E não vão, obviamente. Ou vão fingir que não lembram; muito mais cômodo.

Eu não queria estar lá, é fato. Mas ele estaria e por ele eu faço coisas que depois penso e chego à conclusão de que na verdade eram bem idiotas. Mas, por favor, não pense que eu estou reclamando. Reclamar é uma grande estupidez. Mas essa na verdade nem é a questão.

Foi realmente engraçado, sabe? Ele não sabia que eu estaria lá, seria mais uma festa regada a álcool e música alta. Mas eu precisava tanto dele que resolvi ligar. Nos encontramos depois de alguns minutos; foi a minha redenção. Estar perto dele tornava as coisas mais agradáveis, mesmo depois de tudo o que tinha acontecido horas antes com os meus pais. Mas isso não importa. Nada importa. Ficamos um tempo ali, ele, um amigo e eu. A sensação de “pseudoclaustrofobia” se instalando em cada centímetro do meu corpo, falta de ar e frio, muito frio. Porque estava tarde e a minha pequena roupa não estava ajudando muito. Ele e eu saímos para comprar cerveja em outro lugar. Seria bem melhor, menos fila, menos tudo. Felizmente encontramos outro amigo e fomos para o apartamento dele. E é aí que a minha noite quase perfeita começa.

Ficamos sozinhos na sala (momento de glória, finalmente), apoiados no para-peito da janela, sentindo a brisa suave e gelada que entrava. Ele fumava e eu observava a pouca movimentação da rua. Ele olhava para baixo, sensação de vertigem. E eu ignorando o mundo todo e pensando nele. Coloquei uma musica e nos sentamos no colchão estirado no chão, nossa cama improvisada. Ficamos abraçados; ele, acarinhando os meus cabelos, eu, totalmente sonolenta, mas extremamente feliz.

Já era tarde. Nos deitamos e ficamos em silêncio; a escuridão sempre me agradou, pelo menos no sentido literal da palavra. Mas naquele momento eu só conseguia sorrir, só por estar ao lado dele. Nos beijamos, e tudo parecia perfeito. Sua língua penetrando em meus lábios, nossos corpos se tocando de forma louca e frenética. Perfeito, não é?

Errado. Poderia ser perfeito. Poderia sim, acredite. Mas... Adrenalina a mil, sangue fervendo e ele lembra que não tem camisinha. Céus...! Entendeu agora? Entendeu o “quase” que vem na frente da minha noite perfeita? Eram quatros horas da manhã, nós estávamos sozinhos a horas e ele simplesmente esqueceu um item necessário: a maldita camisinha. Há. Chega a ser engraçado. Muito engraçado. Na verdade, o problema mesmo foi dormir depois, o sono já havia ido embora com o vento da madrugada.

Mas, mesmo sendo a minha noite quase perfeita, ele estava lá e isso seria o suficiente para mim.

Kayla Zyiad Tharän.

Primeira vez a gente nunca esquece. =)

Calma. O titulo ficou meio ambíguo, mas é melhor ignorar isso. Não importa o que acontecer, cá estarei, escrevendo as loucuras e imbecilidades do cotidiano, que eu tanto adoro. Bom, é isso (eu sei, foi meio lacônico, mas não importa).

Beijosmeligue;*